segunda-feira, 15 de setembro de 2008

VIÚVA DE PAULO FREIRE ESCREVE CARTA DE REPÚDIO À REVISTA VEJA

Atualizado em 12 de setembro de 2008 às 10:46 | Publicado em 12 de
setembro de 2008 às 10:38

por CONCEIÇÃO LEMES

Na edição de 20 de agosto a revista Veja publicou a reportagem O que
estão ensinando a ele? De autoria de Mônica Weinberg e Camila Pereira,
ela foi baseada em pesquisa sobre qualidade do ensino no Brasil. Lá
pelas tantas há o seguinte trecho:

"Muitos professores brasileiros se encantam com personagens que em
classe mereceriam um tratamento mais crítico, como o guerrilheiro
argentino Che Guevara, que na pesquisa aparece com 86% de citações
positivas, 14% de neutras e zero, nenhum ponto negativo. Ou idolatram
personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental,
como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação
esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores ouvidos
na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein,
talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6
Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante
de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores
docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa, que talvez
ajude a explicar o fato de eles viverem no passado".

Curiosamente, entre os especialistas consultados está o filósofo
Roberto Romano, professor da Unicamp. Ele é o autor de um artigo
publicado na Folha, em 1990, cujo título é Ceausescu no Ibirapuera.
Sem citar o Paulo Freire, ele fala do Paulo Freire. É uma tática de
agredir sem assumir. Na época Paulo, era secretário de Educação da
prefeita Luiza Erundina.

Diante disso a viúva de Paulo Freire, Nita, escreveu a seguinte carta
de repúdio:

"Como educadora, historiadora, ex-professora da PUC e da Cátedra Paulo
Freire e viúva do maior educador brasileiro PAULO FREIRE -- e um dos
maiores de toda a história da humanidade --, quero registrar minha
mais profunda indignação e repúdio ao tipo de jornalismo, que, a cada
semana a revista VEJA oferece às pessoas ingênuas ou mal intencionadas
de nosso país. Não a leio por princípio, mas ouço comentários sobre
sua postura danosa através do jornalismo crítico. Não proclama sua
opção em favor dos poderosos e endinheirados da direita, mas ,
camufladamente, age em nome do reacionarismo desta.

Esta vem sendo a constante desta revista desde longa data: enodoar
pessoas as quais todos nós brasileiros deveríamos nos orgulhar. Paulo,
que dedicou seus 75 anos de vida lutando por um Brasil melhor, mais
bonito e mais justo, não é o único alvo deles. Nem esta é a primeira
vez que o atacam. Quando da morte de meu marido, em 1997, o obituário
da revista em questão não lamentou a sua morte, como fizeram todos os
outros órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva do mundo,
apenas reproduziu parte de críticas anteriores a ele feitas.

A matéria publicada no n. 2074, de 20/08/08, conta, lamentavelmente
com o apoio do filósofo Roberto Romano que escreve sobre ética,
certamente em favor da ética do mercado, contra a ética da vida criada
por Paulo. Esta não é, aliás, sua primeira investida sobre alguém que
é conhecido no mundo por sua conduta ética verdadeiramente humanista.

Inadmissivelmente, a matéria é elaborada por duas mulheres, que,
certamente para se sentirem e serem parceiras do "filósofo" e aceitas
pelos neoliberais desvirtuam o papel do feminino na sociedade
brasileira atual. Com linguagem grosseira, rasteira e irresponsável,
elas se filiam à mesma linha de opção política do primeiro, falam em
favor da ética do mercado, que tem como premissa miserabilizar os mais
pobres e os mais fracos do mundo, embora para desgosto deles, estamos
conseguindo, no Brasil, superar esse sonho macabro reacionário.

Superação realizada não só pela política federal de extinção da
pobreza, mas , sobretudo pelo trabalho de meu marido – na qual esta
política de distribuição da renda se baseou - que demonstrou ao mundo
que todos e todas somos sujeitos da história e não apenas objeto dela.
Nas 12 páginas, nas quais proliferam um civismo às avessas e a má
apreensão da realidade, os participantes e as autoras da matéria dão
continuidade às práticas autoritárias, fascistas, retrógradas da cata
às bruxas dos anos 50 e da ótica de subversão encontrada em todo ato
humanista no nefasto período da Ditadura Militar.

Para satisfazer parte da elite inescrupulosa e de uma classe média
brasileira medíocre que tem a Veja como seu "Norte" e "Bíblia", esta
matéria revela quase tão somente temerem as idéias de um homem
humilde, que conheceu a fome dos nordestinos, e que na sua altivez e
dignidade restaurou a esperança no Brasil. Apavorada com o que Paulo
plantou, com sacrifício e inteligência, a Veja quer torná-lo
insignificante e os e as que a fazem vendendo a sua força de trabalho,
pensam que podem a qualquer custo, eliminar do espaço escolar o que há
de mais importante na educação das crianças, jovens e adultos: o
pensar e a formação da cidadania de todas as pessoas de nosso país,
independentemente de sua classe social, etnia, gênero, idade ou
religião.

Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos
dá o direito de concluir que os pais, alunos e educadores escutaram a
voz de Paulo, validando e praticando. Portanto, a sociedade brasileira
está no caminho certo para a construção da autêntica democracia.
Querendo diminuí-lo e ofendê-lo, contraditoriamente a revista Veja nos
dá o direito de proclamar que Paulo Freire Vive!

São Paulo, 11 de setembro de 2008
Ana Maria Araújo Freire".

2 comentários:

Profª Míriam Stolear disse...

A Elite tem que manter o status quo e o que seria desta casta, se não fossem os "Miseráveis" ?
Paulo Freire vive e jamais morrerá. Em minhas práticas em sala, pude conferir o brilhante resultado de uma educação Inclusiva e humanista. Hoje, meus alunos, já com mais de 40 anos de idade, são fruto de uma prática verdadeiramente educativa.
O Brasil, não sairá do caos, enquanto não perceber que a vida é feita de relações do Homem e seu meio. Para isto, é fundamental valorizar o Homem e sua trajetória, saberes, estima e possibilidades.
Viva Paulo Freire!
miriamstolear.blogspot

Anônimo disse...

Minha indignação com a Veja já vem de longa data, mas estou especialmente revoltada com a canalhice dessa repostagem, que tenta tirar o mérito de quem abraçou com paixão e brilhantismo a causa da inclusão social. Paulo Freire merece toda nossa admiração e respeito e as jornalistas que assinam a infeliz matéria dessa revistinha certamente merecem nosso repúdio. Viva Paulo Freire!!!