segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Fórum Permanente de Educação Inclusiva no Encontro de Países Lusófonos

Segue abaixo texto da participação da Profa Liliane Garcez, representando o
Fórum Permanente de Educação Inclusiva no Encontro de Países Lusófonos para
Divulgação e Implementação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência:

Gostaria de agradecer o convite de estar aqui podendo falar sobre educação à
luz da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência que agora no
Brasil é o decreto legislativo 186 graças a um movimento de pressão da
sociedade muito intenso em relação a sua votação com quorum qualificado.
Como salientou o Dr. Ricardo ontem, a partir da noção de que o princípio tem
primazia sobre as regras em termos de direito, no Brasil estamos
permanentemente em um movimento que vem refinando e reafirmando a
necessidade de promover e proteger os direitos humanos de todas as pessoas,
com ou sem deficiência, já bem estabelecido em seu arcabouço legal. Assim,
como sintetizou a Dra. Linamara em nosso país temos elaborado muitas leis e
decretos a fim de dar conta de forma cada vez melhor desse direito de todos.

Neste sentido, ainda que a Convenção afirme em seu preâmbulo a
universalidade, a indivisibilidade, a interdependência e a inter-relação de
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como a necessidade
de que todas as pessoas com deficiência tenham a garantia de poder
desfrutá-los plenamente, sem discriminação, temos a necessidade de, ao
pensarmos em políticas públicas, analisar cada componente desse direito a
fim de elaborar um conjunto de objetivos e metas para dar conta das
responsabilidades que estão implicadas nesse caminho. Concernente a essa
preocupação, a própria Convenção estabelece em seu Artigo 24, as questões
referentes à Educação como direto, com base na igualdade de oportunidades e
sem discriminação. Para efetivar esse direito, os Estados Partes deverão
assegurar um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o
aprendizado ao longo de toda a vida, com objetivos que podemos agrupar em
três blocos. O primeiro pode ser entendido como aquele que descreve
objetivos próprios da educação para todas as pessoas, com ou sem
deficiência:

1. O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e
auto-estima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos,
pelas liberdades fundamentais e pela diversidade humana;
2. O desenvolvimento máximo possível da personalidade e dos talentos e
criatividade das pessoas com deficiência, assim de suas habilidades físicas
e intelectuais;
3. A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade
livre.

Um segundo bloco, diz respeito a uma gama de direitos que estão postos para
dar conta de um processo de exclusão histórico, que devem ser pensados para
todos os grupos historicamente excluídos e desta forma, variam conforme a
localidade, a região. São grupos que são lembrados quando nos perguntamos,
quem são os excluídos deste lugar, quem não tem acesso ao que é produzido
socialmente de forma autônoma?

1. As pessoas com deficiência não sejam excluídas do sistema educacional
geral sob alegação de deficiência e que as crianças com deficiência não
sejam excluídas do ensino fundamental gratuito e compulsório, sob a alegação
de deficiência;
2. As pessoas com deficiência possam ter acesso ao ensino fundamental
inclusivo, de qualidade e gratuito, em igualdade de condições com as demais
pessoas na comunidade em que vivem;
3. Adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais sejam
providenciadas;
4. As pessoas com deficiência recebam o apoio necessário, no âmbito do
sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação; e
5. Efetivas medidas individualizadas de apoio sejam adotadas em ambientes
que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, compatível com a meta de
inclusão plena.

E, finalmente, um terceiro conjunto de pontos que tratam dos apoios
específicos relativos aos tipos de deficiência que, obviamente, não podem
ser lidos desarticulados ou apartados dos dois blocos anteriores.

1. Facilitação do aprendizado do braile, escrita alternativa, modos,
meios e formatos de comunicação aumentativa e alternativa, e habilidades de
orientação e mobilidade, além de facilitação do apoio e aconselhamento de
pares;
2. Facilitação do aprendizado da língua de sinais e promoção da
identidade lingüística da comunidade surda; e
3. Garantia de que a educação de pessoas, inclusive crianças cegas,
surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de
comunicação mais adequados às pessoas e em ambientes que favoreçam ao máximo
seu desenvolvimento acadêmico e social.

Neste sentido, o que o Brasil vem fazendo em termos educacionais já está
determinado tanto na Constituição Federal de 1988 quanto na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96. O entendimento sobre
os princípios dessas leis, como já mencionado, vem sendo aprimorado com a
ratificação de declarações internacionais que também tem se transformaram em
lei, como por exemplo, a Convenção da Guatemala – Decreto 3956/01. Portanto,
as políticas nacionais já estão voltadas a dar conta dessa questão há pelo
menos vinte anos. Tendo como foco a educação das pessoas com deficiência,
deve ser citado o Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade,
desenvolvido desde 2003 pelo Ministério da Educação, que tem como diretriz
justamente acabar com a separação entre educação especial e educação comum.
Esta proposta de re-organização da educação nacional tem gerado muita
discussão, com argumentos que por vezes reforçam uma compreensão dual da
educação, que reafirma a idéia do “ou isso ou aquilo”. Ou seja, como se
tivéssemos que escolher entre defender a educação comum ou a educação
especial. Como se tivéssemos que escolher um time e isso se tornasse mais
importante do que o futebol. Ontem, no Memorial do Santos Futebol Clube
presenciamos que escolher um e não outro só tem sentido dentro das quatro
linhas, pois quanto tratamos de questões de direitos sociais todos devemos
estar do mesmo lado: na busca pela efetivação do direito de todos a uma vida
digna. Entretanto, acredito ser essa discussão imprescindível para a efetiva
apropriação das diretrizes de uma educação inclusiva por todos, num
movimento esse que se configura como a própria construção de uma sociedade
não excludente.

Voltando a questão da ruptura da dicotomia entre especial e comum na
educação, o MEC, ao longo desses 05 anos optou pelo trabalho de formação dos
mais de 5.500 municípios brasileiros para que, na ponta, sejam desenvolvidas
ações para dar conta desse objetivo. Em janeiro deste ano, foi lançado o
documento Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação
Inclusiva, que organizam as diretrizes. Nele fica claro que não haverá o fim
da educação especial enquanto modalidade de ensino e enquanto campo de
conhecimento. O que deve terminar é a necessidade de escolha entre a
educação comum e a especial, uma vez que para dar conta da educação integral
da pessoa com deficiência é necessária tanto a primeira como o atendimento
educacional especializado. Ações que, portanto, não podem competir entre si,
pois senão há o risco permanente de continuarmos substituindo o pleno pelo
parcial, designando o que e onde uma pessoa com essa ou aquela deficiência
ou dificuldade deve aprender. O que a Política Nacional direciona é que
devem acabar os espaços segregados de educação, pois a educação é
instrumento de autonomia e não se constrói autonomia fora de espaços
sociais, no caso, a escola comum. Temos o direito à diversidade entendida
como valor humano. Cabe aqui ressaltar que falar em vida independente para
crianças não tem sentido, mas, ao adotá-la como objetivo na idade adulta
significa estabelecer um processo de construção de autonomia que está
imbricado com o processo educativo. Como nos alertou ontem nossa companheira
sobre a questão da deficiência e da transmissão do vírus HIV, vida
independente não significa abrir mão de informações qualificadas, mas ao
contrário, de posse delas fazer escolhas. Essa sem dúvida é uma das funções
da escola, entendida como um espaço comum que informa e discute sobre
questões relevantes a todos os cidadãos. Na convenção, este princípio está
assim disposto: “Os Estados Partes deverão assegurar que as pessoas com
deficiência possam ter acesso à educação comum nas modalidades de: ensino
superior, treinamento profissional, educação de jovens e adultos e
aprendizado continuado, sem discriminação e em igualdade de condições com as
demais pessoas. Para tanto, os Estados Partes deverão assegurar a provisão
de adaptações razoáveis para pessoas com deficiência”. Desta forma
reconhecem-se as diferenças e com elas a necessidades de apoios
diferenciados para cada pessoa e cumpre-se a Constituição Federal de 1988
que determina que todos realizem seu direito à educação.

Para finalizar, gostaria de abordar um último aspecto que para nós do Fórum
Permanente de Educação Inclusiva tem sido, talvez, nosso foco principal de
discussão: a formação dos educadores. A Convenção explicita a premência de
ações que dêem conta dessa questão: “A fim de contribuir para a realização
deste direito, os Estados Partes deverão tomar medidas apropriadas para
empregar professores, inclusive professores com deficiência, habilitados
para o ensino da língua de sinais e/ou do braile, e para capacitar
profissionais e equipes atuantes em todos os níveis de ensino. Esta
capacitação deverá incorporar a conscientizaçã o da deficiência e a
utilização de apropriados modos, meios e formatos de comunicação aumentativa
e alternativa, e técnicas e materiais pedagógicos, como apoios para pessoas
com deficiência”. Entendemos no Fórum, que, aliás, este ano completa 10 anos
de luta pela Educação de todos e para todos, que a formação dos educadores
não pode seguir um modelo que queremos enfraquecer nos espaços educacionais,
no qual alguns sabem e outros devem repetir o que ouviram, sem
necessariamente estarem implicados no processo. Se não há aluno “ideal”
também não há professor “ideal”. Desta maneira, defendemos a importância de
um espaço de interlocução onde informação e diálogo compõe o conceito de
formação e não podem ser separados de forma nenhuma se entendemos que somos
todos protagonistas.

Assim, por sermos um grupo que escolheu a Educação Inclusiva como tema comum
de debate e construção, nos colocamos a disposição e convidamos a todos os
presentes a compartilharem conosco dessa caminhada. Todos que quiserem
dialogar, podem se inscrever para participação on line inclusão@gmail.com
informando que gostariam de integrar o Fórum. Da mesma forma, estão todos
convidados para nossas reuniões presenciais que ocorrem nas primeiras
terças-feiras de cada mês, das 9h30 às 12h00 na Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo. Estendemos o convite a todos os companheiros dos
países lusófonos: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal,
São Tomé e Príncipe e Timor-Leste e dos países vizinhos da América Latina,
para, com a troca de informações por meio do diálogo possamos construir
ordenamentos jurídicos e políticas públicas com o objetivo de garantir os
direitos das pessoas com deficiência dadas as nossas especificidades
sócio-culturais e econômicas. Esta tem sido uma prática que tem resultado
em bons encontros

Ampliando um pouco o lema do movimento: nada sobre nós, sem nós e nem
somente conosco.

Obrigada,

Liliane Garcez

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