Apresentação do ministro Paulo Vanuchi no seminário internacional Direito à Memória e à Verdade
Eu preciso dizer algumas palavras sobre esse clima, a tensão das últimas duas semanas desde o episódio na audiência pública no Ministério da Justiça, situando no contexto. E o contexto mais geral é parte dos 60 anos de aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquele documento de três páginas, que é nada menos do que o único programa político que a humanidade foi capaz de aprovar, tentando desenhar como deverá ser o mundo sem guerra. Devemos sim, nos reconciliar, quando garantidos os pressupostos da justiça, da igualdade, da liberdade, da democracia, que são fundamentos da paz.
Esses 60 anos também coincide com vários outros aniversários. Em 2008 completa 120 anos da Lei Áurea faz e da Abolição inconclusa, 40 anos das lutas de 1968, 20 anos da Constituição cidadã, 10 anos da prisão de Augusto Pinochet, em Londres.
Neste, anos, em 25 de janeiro, o presidente Lula me convidou para acompanhá-lo ao Rio num envento que pela terceira vez consecutiva ele visita a comunidade judaica, no dia em que as Nações Unidas instituiu para celebrar o Holocausto, o dia de Auschwitz. O presidente, no discurso, convidou a um amplo mutirão de debates na celebraçao dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos a atualização de nosso Programa Nacional de Direitos Humanos. Em direitos humanos, o Brasil cuida como deve: assegurar políticas de continuidade de Estado que resistam à saudável e desejável alternâcia de partidos no poderâcia de partidos no poder. Caminhamos agora para o terceiro PNDH e o tema do Direito à Memória e à Verdade está presente. Estamos cumprindo uma das determinações do presidente Lula.
O convite ao dr. Baltasar Garzon foi feito em maio na 12.ª reunião de autoridades em direitos humanos do Mercosul e e associados, uma articulação que vem desde 2004 e que realiza duas reuniões por semestre, sempre no país que tem a presidência pro tempore [temporário] do Mercosul, incorporando todos os páises da América do Sul, menos a Guiana e o Suriname. É um fórum para conhecer, intercambiar as legislações sobre criança e adolescente, sobre os direitos dos idosos, os direitos das pessoas com deficiência, as múltiplas facetas dos direitos humanos. É muito importante que nós, militantes dessa causa dos direitos humanos, reconheçamos a importância de apoiarmos, nos solidarizarmos com todas as demais lutas que compõem o cumprimento dessa rota de reconstrução nacional e planetária na busca incansável da paz.
Nesse encontro, o meu colega argentine Eduardo Luis Dualde, trouxe Baltasar Garzón para a abertura e aproveitamos a chance, era maio, e rapidamente fizemos o convite e ele rapidamente aceitou. Depois, definimos essas datas e a vinda acontece nesse momento da tensão que eu mencionei. Quero dizer algumas poucas palavras sobre ela [a tensão], ajudando os meu colegas jornalistas a recomporem melhor o conteúdo preciso do que vem sendo debatido e do que deve ser debatido. Na audiência de 31 de julho, no Ministério da Justiça, nem o ministro Tarso Genro, nem eu, propusemos revisão da Lei de Anistia. Quando tentamos explicar isso, fomos tratados como recuentes. Nos atribuem um ataque que não fizemos para depois também atribuir um recuo. O que nós dissemos é que não havia definição de que a Lei de Anistia de 1979, e sobreutdo aquela palavara ‘conexos’, tinha poder e força para encombrir, para soterrar, as violações sistemáticas de direitos humanos, as torturas, os assassinatos, as decapitações, os esquartejamentos, as violações sexuais e estrupos, a ocultação de cadáver, que todos reconhecemos é um crime continuado. Quem ocultava cadáver no final de agosto [de 1979, à época da promultação da Lei de Anistia] reinscidiu no crime no dia seguinte, porque eles sabem onde estão enterrados, onde podem ser procurados.
Discutíamos também em concordância de que caberia obviamente ao Judiciário, porque é o Judiciários espanhol que inclui um titã, um ícone como Baltarsar Garzón, o judiciários chileno, o argentino, o uruguaio e até o paraguaio, que começa a tomar decisões firmes. Daí a importância, a minha saudação, ao expressivo comparecimento de integrandes do judiciário ao nosso evento, que precisam saiam daqui compromissados com o procedimento de sua ação independente, de vigilância, de cobrança do Estado, e de sensibilização para ampliar esses seus colegar, os que compreendem a importância de levar adiante esse tema.
Sobre a idéia de revanchismo, quando, em 29 de agosto de ano passado, editamos esse livro em Brasília [Direito à Memória e à Verdade, da Secretaria Especial de Direitos Humanos], que eu vou passar ás mãos do juiz Baltasar Garzón, tem uma pagina de apresentação assinada pelo Marcon Antonio Barbosa (presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos) e por mim, onde nós dissemos que nós podíamos ali ter dito que se tratava de retomar urgentemente a idéia de punição. A nossa opção foi de trabalhar a idéia do direito à memória e à verdade. Abrir todos os aquivos, apresentar todas informações, localizar os corpos, os restos mortais de aproximadamente 140 brasileiros cujas famílias não tiveram ainda esse direito assegurado, sagrado, milinenar. Nós lembramos, na apresentação, dos povos mais sanguinários da humanidade, que interrompiam suas guerras para algumas horas de trocas de cadáveres, para que cada grupo, cada tribo, cada nação fizesse o seu ritual, que encerra no plano simbólico o ciclo de vida.
E nós temos acordo também de que não temos ficar votados ao passado pelo passado. O que nós estamos discutindo aqui, hoje, é o futuro do Brasil, é o Brasil que nós queremos construir, um Brasil maduro, democrátio, de instituiições consistentes, sólidas, porque teve coragem de megulhar profundamente, como a Alemanha teve coragem de mergulhar no fenômeno nazista, como a Espanha teve coragem, ou se vamos tentar o caminho pueril, infantil, imaturo, inconsiste de jogar uma pedra sobre esse passado sem processá-lo, sem debatê-lo. Falta divulgar melhor na imprensa, aspectos como o fato de que a discussão é do judiciário, mas o judiciário já tem uma decisão, pelo menos, absolutamente concluída. A sentença federal sobre o Araguaia, que começou com a juíza Solange Salgado, que transitou em julgado [concluída], não tem mais recursos possíveis, e ela determina que a União apresente no prazo de 120 dias todos os documentos sobre o Araguaia e a localização dos restos mortais.
O mundo projeto pelos direitos humanos é o mundo da paz. Está no preâmbulo de sete pontos da Declaração [Universal dos Direitos Humanos, da ONU], inclusive diz: para que os povos não sejam novamente impelidos à rebelião – aquela rebelição que é biblicamente assegurada, no pensamento liberal John Locke, sempre foi sustentada como o direito de revolta contra as tiranias existentes, de São Tomás de Aquino aos pais fundadores da democracia norte-americana. O Estados Unidos nasceram de uma luta armada contra o domínio colonial inglês.
Se nós projetamos um mundo de paz e temos um mundo de guerra, é preciso trabalhar o tema da reconciliação sem preconceito. Mãos estendidas, queremos, sim reconciliação. Mas não nos peçam a reconciliação sem a verdade. Não nos peçam a reconciliação dizendo que Vladimir Herzog cometeu suicídio porque entrou em depressão. Ele foi preso, foi morto sob tortura no DOI-Codi, e Rubens Paiva não abandonou a família porque enloqueceu, e Honestino Guimarães, e Olavo Hansen, e Stuart Angel Jones. Nós poderíamos ir muito longe nessa lista de pessoas muito queridas, de amigos meus, colegas de classe, de residência, primo meu, parente. A lista é muito grande.
A reconciliação só pode ser pensada após o processo de pronfunda, ampla, ilimitada verificação de tudo o que ocorreu, com nomes, com datas, com localização dos corpos. Ou pelo menos a narrativa, se Rubens Paiva foi atirada de helicóptero sobre a Baía da Guanabara, que haja uma narrativa: na noite tal, no helicóptero tal, pilotado por tais oficiais, levou o o corpo de Rubens Paiva, ou Rubens Paiva vivo, e o atirou sobre alguma localidade. Não se pense em encerrar esse debate sem trabalhar profundamente essa discussão.
Qualquer idéia de reconciliação, como na África do Sul, se Mandela ficou 27 anos preso, humilhado, torturado, ameaçado de morte o tempo todo, e ofereceu esse sofrimento à reconciliação nacional, com a verdade.
Aqui no Brasil, todos nós estaremos dispostos a idéia de reconciliação que seja assentada nessa maturidade de conhecer, não do recalque.
Recebemos um grande juiz espanhol, e que direito teria a Espanha de que não se discute mais a morte de Federico Garcia Lorca. O mundo tem direito de saber quem matou Garcia Lorca, por que matou, em que dia que matou, por qual razão. Se por ser republicano, se por ser homossexual, se por ser poeta. Os crimes de violência no Brasil são da humanidade. E o fato histórico de o juiz Baltasar Garzón ter conseguido reter Pinochet por bom tempo em Londres é o grande anúndio de processos que seguirão adiante porque os povos não podem mais conviver com a idéia de que por exemplo, em 30 de abril de 1981, dois oficiais do DOI-Codi do Rio de Janeiro foram ao show de Chico Buarque, porque adoravam Chico Buarque, e alguém fez a maldade de colocar alguma bomba no colo dos dois.
Como construir uma nação democrática, se nós aqui suportarmos deixar as coisas no passado com o falso argumento de o passado passado é. Com o falso argumento de que estamos preocupados com o retrovisor.
Eu disse a imprensa, e quero repetir agora, que o secretário de Direitos Humanos de qualquer governo, de qualquer partido, de qualquer país do mundo deixará de ser secretário dos Direitos Humanosse prevalecer a idéia de que esse debate não deve ser feito, de que o tema da tortura deve ser proibido.
Eu passo a palavra a quem convidamos para ajudar o Brasil nesse debate. Esse debate quer trazer luz, desbloquear, convidar os colegas da imprensa aqui a nos ajudarem a convencer os próprios editorialistas de que não se faz jurisprudência pelos editoriais. São os tribunais que definem, eles é que deverão discutir em últimas instâncias, e não como acontece agora em que de novo é interditado por alguns interesses privados que têm os veiiculos de imprensa. Esse debate tem que ser feito conjuntamente. Garzón é um grande íncone do chamado direito internacional dos direito humanos, ele vem nos esclarecer.
A sua história fica fortalecida com o episódio Pinochet, mas Garzón é um magistrado que segue trabalhando temas muitos diversificados. As indagações vão ao ponto de questionar se o sistema internacional de direitos humanos permite acionar George Bush pelas torturas em Guantânamo e em, se permite acionar Henry Kissinger pela Operação Condor. E para que um envento do Clube Militar, da próxima vez, não o chame de simpatizante das Farcs, como fui chamado de simpatizante, e não sou, podia ser, mas não sou simpatizante das Farcs. O que eu fiz foi defender os direitos humanos de um sacerdote preso. E o fiz porque sou secretário dos Direitos Humanos. Fui preso político e sei o que é a vida na cadeia. O direito de qualquer preso ter livros, banho de sol, ter uma metragem estabelecida por padrões internacionais.
Se ocorrer outro evento no Clube Militar, para que não chame Baltasar Garzón de simpatizante das Farcs, é preciso informar que o seu trabalho envolve o combate às drogas, ao crime financeiro, os esquadrões da morte, o enfentamento do terrorismo basco.
Reitero que a visita de Garzón é a oportunidade de abrir ao Brasil um caminho de mais luz, porque a democracia é o regime da luz. Os torturadores, assim como os vampiros, querem escuridão, sombra. A democracia tem que mostrar, tem que revelar. Lembro as palavras finais de Goethe, que repete esse anseio secular da idéia democrática: nós queremos luz, luz, mais luz.
S. Paulo, 18 de agosto de 2008 (SNMP.)
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário